Como incluir a agenda climático-ambiental na pauta democrática?

Parece óbvio que tragédias da dimensão do que se passa no Rio Grande do Sul são fruto das mudanças climáticas desencadeadas pelo aumento da temperatura média do planeta. Mais complicado, porém, é persuadir o eleitor médio de que se trata de um fenômeno desencadeado pela ação humana — ou seja, decorrente do modelo de desenvolvimento fundamentado em produção massificada que depende de grandes emissões de carbono.

Tal como argumentei em palestra organizada em março pelo Instituto Humanitas, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) — instituição sediada na região metropolitana de Porto Alegre —, a questão climático-ambiental deve ser aproximada ao máximo do povo. Em vez de despejar toneladas de dados sobre o cidadão, o poder público, partidos e a sociedade civil organizada devem desenvolver estratégias de comunicação fundamentadas em analogias com o cotidiano das pessoas e experiências históricas.

Por exemplo, imagine um candidato a vereador — qualquer que seja sua coloração ideológica, desde que respeite a democracia — perguntando a eleitores se eles passaram a usar mais roupas de verão no inverno. Ou ainda, será que eles não tiveram que comprar mais ventiladores e aparelhos de ar-condicionado e, assim, tiveram a conta de energia encarecida? Mostrar que dói no bolso talvez seja uma estratégia infalível.

Que tal fazer campanhas mostrando crianças doentes por causa da contaminação do ar, da água e do solo? E demonstrar pequenos produtores perdendo tudo não por suposto castigo divino, mas pela irracionalidade de lucrar no curto prazo com o sacrifício da natureza, sem a qual nenhum ganha-pão é viável para geração alguma? Histórias dramáticas também costumam render narrativas políticas com capacidade de mobilização independentemente da coloração ideológica.

Ainda falta ir ao verdadeiro ator central da questão climática-ambiental: o grande capital. Não se trata de papo de comunista, mas do fato de que o comportamento de cada cidadão no papel de consumidor individual é apenas a ponta final de uma cadeia que só pode ser alterada com mudanças substantivas no modo de produção. Ou seja, inicialmente, os investimentos necessários à transição energética — pré-requisito para haver redução nas emissões de carbono — vão recair sobre grandes corporações.

Não se trata, portanto, do Estado pantagruélico querendo extrair recursos de pequenos empresários, como certa narrativa pretensamente neutra gostaria de vender. Em vez disso, o poder público deve apresentar-se como aliado ao cidadão médio que está à mercê de grandes corporações. Os sucessivos apagões dos quais os paulistanos foram vítimas no primeiro quadrimestre deste ano foram postos na conta da multinacional italiana Enel, concessionária de energia na capital de São Paulo, até mesmo pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), que busca a reeleição com apoio explícito do bolsonarismo —um movimento político negacionista por excelência.

Mais fácil pôr a conta numa corporação de origem estrangeira que cutucar com vara curta o agronegócio, que por meio de exportações contribui para superávits na balança comercial e, portanto, sustenta crucialmente a estabilidade macroeconômica. O superaquecimento do Centro-Sul tem relação direta com as práticas nem sempre sustentáveis da cultura da soja e outras fontes de intervenção no cerrado. Segundo informações do Observatório do Clima, 75% dos gases de efeito estufa produzidos em 2022 pelo Brasil vieram de atividades agropecuárias.

Se a política é a arte de engolir sapos, empurrá-los vez ou outra goela abaixo dos aliados faz parte do jogo. Ou os políticos à direita impõem a realidade a seus aliados atrás da porteira, ou correm o risco de perder votos no longo prazo. À esquerda, é necessário revisitar os delírios desenvolvimentistas que engordam a burguesia nacional e dão as costas para o povo, não apenas em termos de renda, mas de direitos civis e sociais.

Se até mesmo o regime formalmente comunista de partido único na China preocupou-se com os efeitos da poluição sobre sua popularidade, políticos que precisam do voto popular para chegar ao poder não passarão impunes em nenhum lugar se ignorarem o aquecimento global e seus efeitos.

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