Restrições de condutas nas eleições municipais de 2024

O período eleitoral que se aproxima é sempre sensível para a Administração Pública. Há uma série de regras que restringem a prática de determinados atos, contratações e despesas públicas, sobretudo nos meses que antecedem o pleito eleitoral. As limitações são projetadas para evitar o uso da máquina pública em benefício de candidaturas e assegurar a responsabilidade fiscal.

Ao mesmo tempo, o correto entendimento da abrangência dessas limitações permite a continuidade de serviços essenciais e a implementação de projetos necessários ao bem-estar da população, sem comprometer a integridade do processo eleitoral ou a transição governamental.

A Lei 9.504/1997, conhecida como Lei das Eleições, estabelece uma série de restrições específicas para garantir a equidade no processo eleitoral, evitando que os recursos públicos sejam utilizados de forma a beneficiar determinados candidatos ou partidos.

São proibidas algumas condutas reputadas como capazes de afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. A legislação veda, p. ex: (i) a cessão ou uso de bens públicos em benefício de candidato, partido ou coligação; (ii) o uso de materiais ou serviços custeados pelo erário que excedam as prerrogativas previstas nos regimentos dos órgãos; (iii) a cessão de servidor ou empregado público para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação; ou ainda (iv) o uso promocional ou distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo poder público, em favor de candidato, partido ou coligação.

Note-se que até aqui as proibições se aplicam a qualquer tempo, não estando limitadas ao ano eleitoral ou ao período de três meses antes do pleito (TSE, 2019, RESPE 060035327).

Outras condutas, no entanto, são vedadas somente com maior proximidade em relação à data das eleições, ou seja, nos três meses que antecedem o pleito eleitoral, tais como os atos de (i) nomear, contratar, demitir sem justa causa, remover, transferir ou exonerar servidor público, ressalvadas algumas exceções trazidas pela própria lei, como a nomeação ou exoneração de cargos em comissão; ou (ii) realizar transferência voluntária de recursos, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública.

Ainda nesse intervalo de três meses antes das eleições, é vedado aos agentes públicos (iii) autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública ou em caso de propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado; (iv) realizar pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo; (v) contratar shows artísticos pagos com recursos públicos na realização de inaugurações; ou ainda (vi) comparecer, enquanto candidato, a qualquer inauguração de obras públicas.

Por fim, no primeiro semestre do ano de eleição é proibida também a realização de empenho de despesas com publicidade que excedam a seis vezes a média mensal dos valores empenhados e não cancelados nos três últimos anos que antecedem o pleito. E ainda é vedado, na circunscrição do pleito, fazer revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição.

As condutas enumeradas acima podem resultar na cassação do registro ou diploma do candidato e nas demais penalidades previstas na Lei Eleitoral, tais como suspensão imediata da conduta vedada; multa pecuniária, perda da função pública; suspensão dos direitos políticos; proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; ressarcimento integral do dano, se houver; inelegibilidade para as eleições a se realizarem, nos oito anos subsequentes à respectiva eleição.

De se notar que as previsões da Lei das Eleições são infrações eleitorais de natureza objetiva. Isso significa que basta realizar conduta proibida para que o agente público que a praticou esteja sujeito à sanção. Ou seja, não é necessária a comprovação de que conduta tenha beneficiado algum candidato ou partido político, pois há presunção legal de que basta a realização da conduta para configurar a ofensa à igualdade de oportunidade entre os candidatos (TSE, 2021, REspEl 060030628).

Em paralelo, há também proibições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), as quais são de especial relevância para o tema das despesas públicas, e, nas eleições deste ano, dirigem-se diretamente aos prefeitos. Tais proibições têm como parâmetro o término do mandato do titular do Poder Executivo, o que, em 2024, acontece apenas com os prefeitos.

O espírito da LRF impõe prudência diante da perspectiva de um iminente fechamento de caixa. De acordo com o art. 21, é proibido aos entes públicos aumentar despesas com pessoal nos 180 dias finais do mandato. Ou seja, será nulo qualquer ato que resulte em aumento de despesa com pessoal, a exemplo de gratificações, nos últimos 180 dias. Esta restrição é crucial para prevenir que gestores em fim de mandato implementem aumentos salariais ou contratem novos funcionários de forma a influenciar o eleitorado ou onerar as futuras administrações com compromissos financeiros não planejados.

A lei também restringe a contratação de novas operações de crédito no último ano de mandato do presidente, governador ou prefeito, com exceção daquelas destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e ao cumprimento de restos a pagar. Nesse sentido, o art. 38, IV, b, veda operações de crédito para antecipação de receita, a fim de evitar manobras insustentáveis nas finanças.

E ainda, nos últimos oito meses do ano, é vedado ao titular de Poder ou órgão se comprometer com novas despesas que não possam ser quitadas integralmente dentro do mandato, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito, conforme prevê o artigo 42 da LRF.

Esta última restrição da LRF é de suma importância no âmbito das contratações públicas. Trata-se de regra que visa afastar o risco de excesso de contratação e de despesas, deixando “restos a pagar” para complicar o próximo gestor. É nitidamente um limitador para ações de “governo”, garantindo isonomia e sustentabilidade financeira para a sucessão de distintas administrações.

Isso não significa dizer que o gestor municipal deixará de realizar contratações após o mês de abril do ano das eleições. É claro que as restrições legais não podem servir para emperrar o exercício da função pública ou impedir o cumprimento das políticas públicas que beneficiam a população. São exemplos contratações que contem com planejamento orçamentário adequado ou que sejam essenciais para a manutenção da infraestrutura e serviços públicos, desde que não sejam iniciadas ou expandidas de maneira significativa e irresponsável durante o período restritivo.

Há ainda modalidades contratuais que não se submetem às regras ordinárias de políticas de governo, pois são geralmente firmadas por longo prazo (acima de cinco anos), com previsão de desembolso no plano plurianual e pagamento, em regra, apenas após a disponibilização dos serviços. É o caso das parcerias público-privadas, dos contratos de concessão comum (sustentado em tarifas) ou ainda dos chamados “contratos de eficiência”, atualmente previstos na nova Lei de Licitações, que visam reduzir despesas do poder público, liberando caixa para os próximos anos e próximas gestões.

Em suma, o gestor municipal ainda poderá contratar serviços e investimentos em 2024. Importantes contratos poderão ser celebrados para reduzir custos e atrair recursos sustentáveis, ao passo que igualmente poderão ser celebrados para aprimorar a gestão de serviços e ativos públicos, desde que o façam em plena observância às limitações impostas pela Lei das Eleições e pela LRF.

A não conformidade com a legislação traz implicações graves e multifacetadas para os gestores públicos. A infração das normas pode resultar em sanções administrativas que afetam diretamente a carreira do gestor público. Isso inclui desde advertências formais até a possibilidade de suspensão ou perda do cargo. Essas medidas visam punir e dissuadir condutas que comprometam a gestão fiscal responsável.

Outra consequência possível da não conformidade é a rejeição das contas do gestor pelo Tribunal de Contas. Tal rejeição não apenas macula a reputação do gestor, mas também implica restrições severas, como a inelegibilidade para futuros mandatos e a proibição de receber fundos federais, incluindo transferências voluntárias e acesso a empréstimos governamentais.

Em casos mais graves, os gestores podem enfrentar sanções severas, especialmente se a não conformidade envolver atos que caracterizem improbidade administrativa ou crimes contra as finanças públicas. Essas sanções podem incluir multas significativas e, em situações extremas, detenção ou reclusão. A responsabilidade pessoal por prejuízos ao erário também pode ser imputada, exigindo do gestor a reparação dos danos causados à administração pública.

As restrições durante o período eleitoral são parte integrante do esforço para manter o processo eleitoral limpo e justo, assegurando que todos os candidatos, independentemente de estarem ou não no poder, disputem as eleições em igualdade de condições. A aderência a estas regras não apenas fortalece a democracia, mas também promove uma gestão pública mais responsável e alinhada com os princípios de justiça e transparência.

Embora a legislação eleitoral imponha restrições rigorosas à contratação e aos gastos públicos durante o período eleitoral, existem exceções bem definidas que permitem a continuidade de serviços cruciais e a resposta imediata a emergências. Estas exceções são fundamentais para não paralisar as operações essenciais da administração pública e para garantir o bem-estar da população.

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